SEDE ENTRE AS RUÍNAS – “Esta é a situação mais bárbara (*) e distópica que já vi em minha vida”, lamenta uma voz anônima no pungente THIRST AMONG THE RUINS, documentário curta-metragem (25 min, um filme de Jerome Evans, Sami Zyara e Ashraf Mashharawi). Nos sinistros dias que correm, em que Israel re-iniciou seu genocídio impiedoso na Faixa de Gaza com a benção do Trumpismo e o silêncio cúmplice da União Européia, matando mais de 400 pessoas na madrugada de 18 de Março de 2025, quando o cessar-fogo foi estraçalhado e quase 200 crianças foram martirizadas, somos lembrados por este contundente filme publicado pela Al Jazeera deste fato: as bombas que chovem do céu são apenas um da legião de trágicos dilemas enfrentados pelas mais de 2 milhões de pessoas trancafiadas em uma das zonas mais densamente povoadas da Terra e que são alvo de massacres incessantes nos últimos 18 meses.
Anistia Internacional, Human Rights Watch, Médicos Sem Fronteiras, dentre outras entidades de defesa dos direitos humanos, todas apontam para práticas que configuram genocídio e sistemática violação do direito internacional nas ações bélicas do estado sionista. Este, como potência imperial ocupante, mata não apenas pelas bombas e incursões terrestres de seu exército, mas pela imposição generalizada da fome, da sede e da obliteração das estruturas e pessoas que fornecem saúde ao povo gazano.
A sistemática destruição da infraestrutura de fornecimento de água é sabidamente uma das táticas há muitas décadas utilizadas pelo estado de Israel em sua campanha de limpeza étnica da Palestina (algo que também aflige a Cisjordânia, como veremos). Desde 7 de Outubro de 2023, esta tendência se exacerbou com o bombardeamento de plantas de dessalinização, zonas portuárias e reservatórios d’água, além dos massacres de civis que aguardavam em fila para abastecer seus baldes com água contaminada. Este é o auto-entitulado “exército mais moral do mundo”, apoiado pelos EUA e por boa parte da União Européia: o tal do Primeiro Mundo, que se auto-celebra como ápice da civilização, é na verdade o promotor do cúmulo de barbárie e distopia quando se trata dos povos construídos como subhumanos pelo racismo imperial teocrático.
O filme revela ainda que a extensão do infanticídio promovido pelo consórcio Israel-EUA-U.E. é bem mais amplo do que as mortes diretas causadas pelos airstrikes – só na semana corrente, entre 18 e 21 de Março de 2025, mais de 200 crianças foram massacradas, elevando para mais de 18.000 menores de idade martirizados pelo terrorismo-de-Estado sionista-yankee. Para além da morte teleguiada direta, existe a disseminação deliberada de doenças vinculadas à desnutrição e à água suja, que afligem sobretudo as crianças, com explosão de casos de diarréia, hepatite, pólio, dentre outras enfermidades que não podem ser corretamente tratadas nos hospitais do território pois estes também foram completamente devastados e levados ao colapso. Trata-se de guerra demográfica e Israel atua um pouco como o Rei Herodes bíblico. A morte em massa de crianças não parece pesar na consciência moral dos que encabeçam o settler colonialism sionista. Em sua prepotência infinita, eles conseguem dormir à noite, certos de que têm deus a seu lado e que um dia vão construir a Terra Prometida da Grande Israel sobre os ossos de dezenas de milhares de assassinados. Do alto dos Céus Jeová os aplaudirá enquanto gozam da Riviera Mediterrânea prometida por Donald Trump.
Este novo documentário dá sequência a outra impressionante obra, na confluência do jornalismo com o cinema documental, chamado WEAPONIZING WATER IN PALESTINE, filmado antes do destravamento da guerra Israel-Hamas em 7/10/2023, e que revela uma das muitas razões legítimas que o povo palestino tinha para se levantar insurrecionalmente contra o poder opressor que lhe recusa o que há de mais quintessencial à vida humana (“milhões já viveram sem amor, ninguém nunca viveu sem água”, para lembrar o verso de Auden).
Os pacifistas de plantão, fanáticos da paz-acima-de-tudo e que são velozes em condenar os atos do Hamas naquela manhã da Operação Dilúvio de AlAqsa, deveriam perguntar a si mesmos o que fariam se fossem parte de um povo de mais de 2 milhões que estivesse sendo assassinado lentamente pela sede e pela fome, por causa da recusa recorrente e deliberada do poder imperial opressor de permitir o acesso à água e à comida, e que os trancou neste campo de concentração após os expulsar à força de suas terras ancestrais na Nakba.
Quem condena o levante dos gazanos nesta que alguns chamam de Terceira Intifada parece estar dizendo que os palestinos de Gaza deveriam ter se resignado a morrer quietos de fome e de sede sem se alçar em armas contra quem lhes impôs tais abjetas, desumanas condições. A Tempestade ou o Dilúvio de Al-Aqsa, apesar de seu nome evocativo de enxurrada, foi uma insurreição desesperada de um povo sedento e faminto por justiça e por condições dignas de existência. Foi uma tempestade de fúria ocasionada pelo fato de que Israel – o Estado do planeta que mais viola impunemente o direito internacional – cotidianamente mata de sede e de fome a população que prendeu neste gueto ao qual impõe condições intoleráveis e infernais.
Qualquer discussão moralista e condenatória sobre o 7 de Outubro que oculte este fato – os palestinos estavam sendo há anos asfixiados pela escassez do mais básico – é simplesmente desonesta e falseadora. Não haverá paz sem justiça, nem segurança sem a plena soberania de uma Palestina que deve poder florescer, ou então não cessará de em justa revolta se levantar.
#StopGenocideInGaza
Eduardo Carli de Moraes
Goiânia, 21/03/2025
ASSISTA: *Thirst Among the Ruins* tells the story of the systematic targeted obliteration of Gaza’s water infrastructure by Israel, and how it ‘violates international humanitarian law.” https://www.youtube.com/watch?v=cfpxUifbuPw
*Is Israel Weaponising Water in Palestine?* Decades of Israeli occupation have left Palestinians struggling to access clean water. Israel controls a majority of the freshwater resources in the occupied West Bank. And in Gaza, its 16-year blockade and military operations have had a devastating effect on the water supply. Monitoring groups say about 97 percent of the water supply in Gaza is contaminated and unfit for human consumption. https://www.youtube.com/watch?v=HSbnniboAXo
P.S. – (*) Sobre Israel e a barbárie, Belén Fernandez soube expressar-se excelentemente: “Barbarism, after all, is what Israel does best. And unfortunately, there’s no end in sight to barbarous behaviour – particularly when the most the international community can muster are spineless statements of condemnation. (…) The United States, of course, found no need to condemn the renewed Israeli attacks on Gaza – an unsurprising reaction from the country that has from the get-go been aiding and abetting genocide, first under the Joe Biden administration and now under Donald Trump’s.
In an interview with Fox News, White House press secretary Karoline Leavitt confirmed that the US had been consulted by Israel on the latest assault, adding that Trump had “made it clear” that Hamas and “all those who seek to terrorise not just Israel, but also the United States of America, will see a price to pay”. Paraphrasing a previous threat issued by Trump to Hamas, Leavitt warned that “all hell will break loose”.
And yet, by any objective standards, hell has already decisively broken loose in the Gaza Strip. With solid US backing, the Israeli military officially slaughtered at least 48,577 Palestinians between October 2023 and January 2025, when a tenuous ceasefire between Israel and Hamas took hold. In February, Gaza’s Government Media Office updated its death toll to nearly 62,000 to account for thousands of missing Palestinians presumed to be dead under the all-pervasive rubble.”
Consulte também:
Ensaio fotográfico na Reuters
Visualizing Occupation: Distribution of Water @ +972 Magazine: Israel controls the access to water from the Jordan River to the Mediterranean Sea. Its disproportionate allocation of water, the settlements’ takeover of natural springs, and the prohibition against maintaining and constructing water cisterns in the West Bank without Israeli permits make water a sparse commodity for Palestinians. This illustration is the sixth in a series of infographics on Palestinian civilian life under occupation. By Michal Vexler
Publicado em: 21/03/25
De autoria: Eduardo Carli de Moraes
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